"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto. (Rui Barbosa)"

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

A Menina dos Olhos do Mal

Ontem participei do encerramento da 7a Mostra Acadêmica da Universidade Metodista de Piracicaba, UNIMEP. O tema da Amostra foi "Ciência, Tecnologia e Inovação: A Universidade e a Construção do Futuro". Dentre os eventos desta Amostra Acadêmica, foi promovido pelo NUC (Núcleo Universitário de Cultura) o 5º Concurso de Contos e Crônicas - evento do qual participei – e, para meu deleite, fui agraciado com o 1º lugar, com o conto "A Menina dos Olhos do Mal".

Gostaria de agradecer a todos os envolvidos no evento, aos organizadores e à banca julgadora. Esse reconhecimento foi muito importante e será um grande estímulo para meu aperfeiçoamento.

Abaixo segue o trabalho premiado. Este será divulgado na íntegra no site da Mostra Acadêmica - www.unimep.br/mostraacademica. Será também publicado no jornal "A Tribuna", em data a ser confirmada, além, é claro, da publicação no Jornal “Acontece", de distribuição interna na Universidade.

Lembro a todos que trata-se de um trabalho amador.

Obrigado!

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A MENINA DOS OLHOS DO MAL.

Autor
CARLOS EDUARDO MULLER


Steven é padrinho de casamento de Jorge, e seu amigo fiel desde as primícias da juventude. Ana surgiu em meio às desordens do início da vida adulta, quando Jorge sequer havia decidido qual carreira seguir. Em pouco tempo de namoro, Jorge tomaria sua primeira grande decisão: Era com Ana que passaria o resto dos seus dias. Ana era linda, sorriso largo e fácil, olhos verdes, cabelos ora preto, ora louro, ora vermelho... Vivia o tipinho descolada, de saia rodada e “All Star”, estilo "vida loca". Se apaixonar por Ana era tão fácil quanto ganhar um sorriso dela.

Ana virou obsessão de Jorge desde o início. Intocável, perfeita. Apesar de Steven nunca ter botado muita fé no caráter de Ana, "ai" dele se dissesse algo a respeito. Jorge já havia ficado meses sem falar com Rosa, a própria mãe, com quem mantinha laços estreitos de amizade e cumplicidade. Esses laços eram tão fortes que, mesmo após cinco anos de casamento, mantinha consigo uma cópia da chave da velha casa, onde sua mãe ainda vivia, e onde morou por toda a vida. Como Steven, Rosa também não confiava em Ana, e para seu azar maior, não soube ficar em silêncio.

Numa tarde, Rosa fazia compras quando, em questão de segundos, olhou para a rua e viu Ana, dentro de um Vectra branco, com um sujeito que não pode identificar. Ficou em dúvida, ligou para Jorge, e segundo seu conhecimento, Ana estava na academia. Rosa
conhecia essa academia, e por vezes passou por lá para desgostosamente admirar o comportamento "dado" de Ana com os demais rapazes. Rosa foi então para a academia, mas não a viu. Antes que pudesse acelerar o carro, Ana chegou no mesmo Vectra Branco,
tascou um beijo na boca no rapaz e entrou na academia.

Rosa, de longe, fez jus ao seu nome, ficando rosada, quase vermelha. Não teve coragem de entrar na academia, mas passou a perseguir Ana, flagrando-a outras vezes, inclusive fotografando a distância com uma câmera dada pela própria Ana no último ano, como presente de aniversário.

Rosa confidenciou tudo a Steven. Ambos sempre partilharam da mesma opinião sobre Ana, e Rosa não soube o que fazer com a novidade. Infelizmente, Steven também não soube. Ela estava disposta a dar uma solução para aquilo o quanto antes, e pediu que
Steven guardasse uma cópia das fotos que imprimiu, por segurança. Steven não soube como recusar, não entendeu direito como aquilo poderia ser útil. Pegou o envelope, foi até o corredor ao lado da cozinha e com uma cadeira guardou no forro, por uma pequena “abertura” que havia no teto.

Naquela noite, uma terça-feira, Jorge ligou para Steven. Falaram, riram bastante, e acertaram de sair no fim de semana. Steven teve muita pena de Jorge e não conseguiu imaginar o que seria da vida dele se descobrisse. O papo acabou, E lamentavelmente não houve oportunidade para o passeio no fim de semana.

Na quinta-feira Rosa abriu o jogo com o filho. Fez um discurso, disse que o amava, blá blá blá. Isso fez Jorge lembrar-se da morte do pai, pela forma que recebeu a notícia da mãe. Não sentiu-se muito bem, supondo mais uma notícia ruim. Então Interrompeu:

- Vá direto ao assunto mãe.

- Veja com seus próprios olhos, filho.

Essa frase ecoou na mente de Jorge por alguns segundos: "Veja com seus próprios olhos, filho"...

Abriu o envelope e chorou mais do que já havia chorado nos últimos anos. Escorregou da cadeira e pôs a cabeça sobre o colo da mãe. Foi exatamente essa cena que Ana viu, entrando na sala, ao chegar da rua.

O que se passou nos próximos cinco minutos foi um emaranhado de frases sobrepostas, às vezes sem sentido, choro, gritos: - “Por quê?” - “O que é isso?” - "Vagabunda!" - "Mas como?" - "Sem vergonha, como pode fazer isso com ele?" - "Eu vou te matar" - "De onde veio isso?".

Em meio à gritaria, uma frase soa baixo, mas tão intensa que foi capaz de silenciar o ambiente:

- Eu te perdoo.

Seguiu-se um silencio incabível para o momento.

- Chega! Rasga isso e esquece. Vamos começar de novo.

Jorge abraça Ana, e ela fica cara a cara com Rosa. Naquele momento, olhando nos olhos de Ana, Rosa sentiu-se a sós com ela, e descobriu algo que jamais havia percebido nela antes: Raiva.

Rosa imaginou existir muita maldade escondido naquele sorriso. Meditou nisso por dois dias, até amanhecer morta, esfaqueada na própria cama durante a noite. Não havia um móvel fora do lugar, nem sequer uma porta arrombada.

Foi um domingo difícil. Steven dedicou o dia para ajudar com a funerária, o hospital, e a polícia. Jorge não tinha condições de fazer nada. Recebeu a notícia por telefone, da polícia, que ligou para o último número discado da casa de Rosa. Era nove da manhã, e Ana dormia ao seu lado.

Na manhã seguinte ela foi enterrada. Chovia, e Ana chorava muito. Jorge, pálido, olhava para o nada. Steven estava perturbado, e pior que toda aquela situação era sua cabeça azucrinando seu sossego. Ana poderia ter algo a ver com isso.

Além de Jorge e Ana, o único que sabia dos fatos era Steven, e o que só Steven sabia é que uma cópia das fotos ainda existia com ele. E quanto mais as investigações do assassinato pendiam para outros caminhos, mais Steven desejava mostrar aquilo para a polícia.

Certo dia, o investigador do caso, Fausto, apareceu na casa de Steven. Disse que era rotina, apenas algumas perguntas. Perguntou se ele conhecia a rotina de Rosa, com quem ela andava, quem eram suas amizades. Perguntou também se alguém eventualmente havia se desentendido com Rosa ultimamente.

Steven suava e desviava o olhar. Suas pupilas dilataram e suas mãos reiteradamente coçavam o queixo e a boca. Suas pernas cruzavam, descruzavam... Sua pulsação dobrou, e a veia “saltando” no pescoço de Steven tornou-se visível para Fausto. Atento,
Fausto conduziu o assunto para caminhos onde Steven não teve outra opção senão abrir o jogo e lhe contar tudo. Fausto saiu dali com as fotos em mãos.

Ana e Jorge foram chamados para depor, oficialmente convocados pela polícia. Sequer levaram advogados, pois imaginaram que se tratava de procedimentos normais. Jorge ficou do lado de fora, Ana entrou na sala primeiro. As perguntas foram sobre a noite do crime: Onde ela estava, que horas dormiu, que horas acordou. Se ela tinha as chaves da casa de Rosa. Ana ficou louca:

- Onde já se viu desconfiar de mim, a própria Nora!

O interrogatório passou então para assuntos mais específicos, como desentendimentos, discussões, brigas, e é claro, as fotos. Ana não soube o que dizer, chorou e negou.

- Não sou assassina!

Saiu da sala aos prantos. Passou por Jorge, que só teve tempo de ouvir ela dizer:

- Eles pensam que foi eu!

- Vocês têm que encontrar o assassino, e não acabar com o que restou da minha vida!
Jorge gritou por alguns minutos até ser contido e levado à presença do delegado.

Para Jorge, as perguntas foram sobre a noite de sono. Jorge confirmou que Ana dormira com ele a noite toda. Não se lembrou de ter acordado, porém garantiu que Ana não saiu do seu lado. Revelou que possuía uma cópia das chaves da casa da mãe, mas Ana sequer sabia onde ele guardava.

Então as perguntas passaram a tratar do episódio das fotos, que surpreenderam Jorge: - “Como eles sabem? Onde eles conseguiram essas fotos?” Os pensamentos atrapalharam Jorge, e ele ficou um tanto constrangido. Não respondeu aquelas perguntas, quis sair dali.

No dia seguinte, logo cedo, Ana saiu de casa algemada, com um mandado de prisão preventiva. Jorge ficou desolado. Apesar de crer fielmente em Ana, algo bem no fundo achava tudo muito estranho. Passou o dia com advogados, buscando conseguir o “habeas
corpus”, que veio à noite. Mais tarde ligou para Steven. Ana estava cansada e exausta, dormiu cedo, e então Jorge decidiu terminar a conversa com Steven pessoalmente.

Steven ouviu por duas horas Jorge falar. Pode perceber que ele não estava em seu juízo normal. Não tinha ficado “louco” exatamente, mas sua estabilidade mental estava comprometida. Nem em sonho cogitou contar quem “dedurou” Ana, no entanto, isso não impediu de ter que contar a força. Tudo fluia bem até Jorge encontrar o cartão do investigador Fausto na mesa da cozinha. Steven suou frio mais uma vez e pensou: "Agora deu".

Jorge reagiu surpreendentemente bem para quem esperava um surto psicótico enlouquecido, afinal, Steven mexeu com a “menina de seus olhos”. Porém, Jorge ficou pensativo, e confidenciou-se confuso para Steven. Era como se ele mesmo não pudesse mais acreditar em Ana, ou como se algo dissesse que realmente tinha alguma coisa errada.

Tomaram um café ao som de Beast Boys, que saia da janela da casa ao lado. O som não era capaz de disfarçar o silêncio constrangedor que se seguiu nos próximos minutos. O tilintar da colher na xícara dilacerava o ambiente, e quando o som do vizinho
parou, era quase possível ouvir o som da fumaça do café.

- Não. Não foi ela.

Jorge levantou-se e saiu em disparada. Steven tentou contê-lo, mas não pode. Jorge apenas parou na porta antes de sair, voltou-se para trás e abraçou Steven:

- Estou confuso, preciso falar com Ana.

Steven voltou para a cozinha terminar seu café.

Sobre Ana, em determinados momentos Steven achava perfeitamente possível ela ser a assassina, em outros, ponderava ser bem improvável. Pensou em como pôde levantar a possibilidade de tamanho desvio de caráter simplesmente porque Ana era adultera. Mas,
por outro lado, do que seria capaz um indivíduo que apunhala pelas costas a única pessoa que certamente estará ao seu lado pelo resto de sua vida? O que vale a vida de uma velha chata que a persegue, se nem mesmo a honra de seu marido vale alguma coisa?

- Pior, que vale a minha vida pra ela então?

A última frase dita por Jorge não saiu mais de sua cabeça: “...preciso falar com Ana". Ana ficaria ciente de que foi Steven o responsável por tudo que ela passou nos últimos dois dias.

Custou a deitar. Trancou a casa, verificou cada janela. Sentiu-se constrangido consigo mesmo quando levou uma cadeira da cozinha para travar a porta da sala. Custou também a pegar no sono.

Cada movimento na rua ou cada ruído na casa era suficiente para acordá-lo. Inclusive, quando o que imaginou ser um gato passou pelo telhado, bem acima do quarto até a região onde fica a cozinha. Steven não se preocupou muito porque o quintal era aberto, sem muros ou grades, no estilo das casas norte-americanas, e sua garagem era com portão fechado até o teto, portanto, indiferente alguém subir no telhado ou não.

Pegou no sono outra vez. Acordou com o tal gato. Voltou a dormir.

Pela manhã ligou para Jorge. Não conseguiu falar. A tarde também não conseguiu. À noite, quem atendeu o telefone foi Ana. Steven desligou. Bateu com o fone na testa quando lembrou do identificador. Dois minutos depois o telefone tocou. Tardou nove toques para atender.

Jorge adiantou-se em mostrar-se compreendido com Steven, e disse que Ana não estava brava. Jorge disse que a amizade entre eles não ruiria, e por fim, perguntou o que Steven queria. Na verdade, ele queria saber se Ana iria matá-lo, mas, contentou-se em dizer quejá ouvira o que queria. Só havia ligado mesmo para saber como eles estavam.

Mais uma noite. Ao deitar sentiu-se receoso e pensou que poderia passar um mês, um ano, um vida, e aquele medo não passaria. Desejou dar fim nessa história, se mudar, acabar a amizade com Jorge. Adormeceu imaginando como seria sua vida nas Filipinas,
solteiro, e com vinte oito anos de idade.

Acordou no meio da noite com o maldito gato. Duas e vinte e um da madrugada. Perdeu o sono, ligou a TV e assistiu um game-show que dava prêmios para telespectadores que descobrissem três diferenças entre duas figuras na tela, enquanto a apresentadora gritava feito louca na TV implorando por ligações.

Seguido de uma batida muito forte no telhado, o barulho parou bruscamente. Imaginou que possivelmente havia dois gatos cruzando, e que, pela hora da morte, terminaram. Steven virou-se para o lado direito da cama, acomodou-se e fechou os olhos. Ajeitou o
edredom, abriu os olhos por um segundo e viu, no reflexo do vidro da janela, uma silueta na porta do quarto.

Lembrou-se tarde da abertura do forro.

A luta foi intensa. Muitos cachorros latiam freneticamente enquanto pelejavam. Os vizinhos chamaram a polícia.

A polícia chegou em quinze minutos e já não havia mais barulho dentro da casa. Dois policiais foram arrombando pela frente, enquanto outros dois romperam a janela do quarto. Havia sangue por toda a parte, e a TV ligada na mesma maluca do game-show. A
dupla que veio pela frente achou a sala intacta, e encontraram os outros dois policiais no corredor, com Steven estirado no chão, e encima dele, Jorge, desacordado.

Steven passou doze dias na UTI, com perfurações no intestino e duas costelas quebradas. Jorge acordou no dia seguinte, assustado, imaginando que deveria estar em sua casa, e não ali.

Steven seguiu com sua vida e Ana nunca mais foi a mesma. Agora era fiel ao marido que não podia mais ver todos os dias. Ao menos, os laudos médicos conseguiram alterar a pena de vinte e cinco anos de cadeia para uma simples internação, por somente dois anos, para tratamento de distúrbios do sono.

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5 comentários:

Eds disse...

Rapaz gostei, da um livrinho de bolso continuando assim acho que vais deixar o pedal para seres escritor.
Parabéns, Shalom.

Edson Sales

Unknown disse...

Olhaaa só meu irmao.... sera que vai comecar agora a escrever livros??? Parabens viuuu d++ esse conto, muito intrigante
Parabens Dú
beijinhussss
Dri

Anônimo disse...

Legal Eduardo!

Uma mistura de Nelson Rodrigues com Alan Poe.
Parabéns pelo prêmio.

Fábio Mendes

Unknown disse...

Muito boa sua história. Parabéns.

Sazaki.

Unknown disse...

hsuashuashaush.....essa Liv da trabalho heimmm....hsuahsuhasu....fiquei sabendo das coisas que ela aprontou....só vc mesmo hsuashuahsuahs....parabenss, se todos pensassem como vc neh, mas infelizmente nao é assim
beijinhusss